Cidade da Rio+20 encerra às pressas o despejo
em Gramacho, montanha de lixo formada ao longo de três décadas às
margens da Baía de Guanabara.
Cecília Ritto, do Rio de Janeiro.
Depois de sucessivos adiamentos, será encerrado oficialmente, no
próxima domingo, o despejo de lixo no aterro de Gramacho, no Rio de
Janeiro. A montanha de dejetos às margens da Baía de Guanabara, formada
por três décadas de acúmulo de resíduos da capital, é considerada o
maior lixão a céu aberto da América Latina – e um exemplo extremo de
como não se deve tratar o lixo. Às vésperas da
Rio+20,
conferência que trará ao Brasil no próximo mês cerca de 100 chefes de
estado e líderes globais para discutir o futuro do meio ambiente, a
expectativa é de que o caso do Rio seja um alerta para as cidades que,
em graus diferentes, despejam o lixo em locais impróprios. No país, a
eliminação de lixões até 2014, meta imposta pela Política Nacional de
Resíduos Sólidos, é um dos principais desafios do plano do governo
federal para o meio ambiente.
A destinação inadequada do lixo representa, ao mesmo tempo, graves
problemas ambientais e pontos de concentração de miséria. Os lixões
criam uma rede de trabalhadores dependentes daquele sistema, partilhado
por catadores misturados a porcos e urubus. Um dos pontos centrais na
discussão sobre os resíduos envolve justamente o destino dos dejetos. No
Brasil, parte considerável do lixo é despejada em local impróprio, onde
é possível encontrar catadores em condições sub-humanas de trabalho. Em
números, isso significa que 23,3 milhões de toneladas (ou 41,94%) dos
resíduos vão parar em lixões ou em “aterros controlados” – uma situação
menos degradante, mas também incorreta –, como mostrou a pesquisa
Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil 2011, da Associação Brasileira de
Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, a Abrelpe.
Mesmo com o fechamento dos lixões, o local utilizado para despejo
continua a sofrer os impactos da poluição e fica inutilizado, sem prazo
fixo de recuperação. No caso de Gramacho, por exemplo, não é possível
estimar o período que o ambiente levará para decompor os dejetos ali
despejados. “Acompanhei um estudo sobre o lixo da Alemanha que falava
sobre a possibilidade de a última camada de lixo se decompor em torno de
100 anos”, diz Cláudio Mahler, professor de engenharia geotécnica da
UFRJ, lembrando que cada caso deve ser estudado de forma particular. Na
Alemanha, até mesmo os aterros sanitários são evitados. “São despejados
nos aterros os resíduos que já não causam danos ao meio ambiente”,
explica Mahler.
Enquanto o aterro sanitário de Seropédica aparece como a solução para o
problema histórico de Gramacho, os países avançados no trato com o lixo
buscam alternativas que não passem – ou evitem ao máximo – os aterros.
Na Dinamarca, 48% dos resíduos vão para a incineração e passam por um
processo de recuperação energética. A reciclagem abrange 34% do lixo e
somente 4% é destinado ao aterro sanitário. “Na escala de valores das
sociedades mais desenvolvidas, a disposição em aterros é a ultima e a
pior solução. O aterro tem uma vida mais longa do que o tempo de
recebimento de resíduos.
As outras soluções são mais caras, mas não
adianta fazer um cálculo imediatista”, argumenta Mahler. “Muitas áreas de aterro sanitário estão em fim de vida útil. A procura
por novas áreas é difícil. Como as cidades cresceram, em grandes centros
urbanos é difícil encontrar área que comporte um aterro sanitário. A
vizinhança nunca quer e é preciso fazer análises geológicas e
licenciamento, algo necessário, mas demorado. E os locais não podem ser
muito distantes do centro de geração”, explica Adriana Ferreira,
coordenadora técnica da Abrelpe.
A meta do governo federal é acabar com o despejo em lixões nos próximos
dois anos. Para isso, a estratégia é estimular a implantação de aterros
de modo consorciado, para que um aterro atenda mais de uma cidade.
O segundo maior desafio será ampliar a reciclagem,
como indica o diretor de Ambiente Urbano do Ministério do Meio
Ambiente, Silvano Costa. A pesquisa da Abrelpe mostrou que o caminho
ainda é longo para o país alcançar boas taxas nesse quesito. Ainda há
2.302 cidades, dos 5.565 municípios brasileiros, que sequer têm coleta
seletiva, uma etapa indispensável para a reciclagem. E, nas que fazem a
coleta dessa forma, em muitos casos, apenas são disponibilizados pontos
de entrega voluntária à população, ou, no máximo, há convênios com
cooperativas.
Indústria – Uma das saídas encontradas pelo governo federal para
aumentar os índices de reciclagem é o estimulo à logística reversa.
Entre o fim deste ano e o começo de 2013, essa política será implantada
nas cadeias de embalagens, de óleo lubrificante, eletroeletrônicos,
lâmpadas e descarte de medicamentos. “Aumentar a reciclagem no país
passa pela coleta seletiva e pela logística reversa, que é o caminho de
volta do resíduo”, explica Silvano Costa. Ou seja, através de contratos
com o governo, fabricante, importadores, comerciantes e distribuidores
passarão a cuidar da etapa final do seu produto, que é quando ele vira
lixo.
A mudança no tratamento que se dá ao lixo é uma urgência para o Brasil.
E a existência por tanto tempo de aterros como o de Gramacho é a prova
de que o problema é grave. “Não vemos efeitos e resultados concretos”,
diz Adriana sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, lei de 2010 e
que inclui os planos nacional, estaduais e municipais de resíduos.
Apesar de a norma ter sido criada há dois anos, o governo federal deve
ter o seu plano nacional de resíduos aprovado por cinco conselhos apenas
em junho deste ano.
“Temos que gerar menos lixo e aprimorar o sistema de coleta porque hoje
10% do lixo sequer são coletados”, lembra Adriana, apontando um
problema ainda mais grave do que o despejo em lixão ou em aterro
sanitário. A pesquisa “Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil 2011”
mostrou que o país vive uma equação nada sustentável, diretamente ligada
com o consumo exagerado. De 2010 para 2011, houve um aumento de 1,8% de
lixo no país, enquanto a população cresceu 0,9%.
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